SINOPSE
Dead Man (1995) é poético na sua fotografia, poético no seu enredo, poético na filosofia que transmite, poético na música, poético no idealismo transmitido pelo seu epílogo. William Blake (Johnny Depp), um contabilista de Clevelend faz uma viagem, física e espiritual, a um território que lhe é pouco familiar, ao encontro de um emprego que lhe fora prometido numa dessas fábricas produto da Revolução Industrial. Estamos no Oeste americano, algures na segunda metade do século XIX. Perdido e ferido, encontra-se com um índio solitário e excêntrico, chamado “nobody”, que acredita que Blake é o falecido poeta inglês com o mesmo nome. Nobody e William Blake passam por situações cómicas e violentas. Contrariamente à sua natureza, as circunstâncias transformam Blake num fora-da-lei perseguido, num assassino e num homem cuja integridade física é deficitária, como um cadáver que se arrasta ao sabor da amizade, à procura da paz só encontrada numa passagem etérea final, metaforizada na viagem de barco pelo mar. Jim Jarmusch coloca o seu foco na mutação temporal entre dois mundos: uma América “índia” que se tranforma numa selva industrial que corrompe o homem. Atirado para um mundo que se revela cruel e caótico, os olhos de William Blake abrem-se para a fragilidade que define a esfera da vida, como se abrem para o valor do amparo das relações humanas. A presença do poeta e pintor Blake é nítida nos cenários e na atmosfera obscura que rodeia o filme: planos de câmara parados, uma excelente fotografia de cenários americanos a preto e branco, um humor subtil e meio bizarro, amigos famosos do cenário underground a contracenarem num gosto musical igualmente underground e bizarro à mistura. Na verdade, a banda sonora do filme resume-se a acordes de guitarra eléctrica (Neil Young) por vezes violentos e sempre sombrios. Outros grandes destaques vão inteiros para um Jonnhy Depp verdadeiramente assombroso no papel de Blake e, faça-se justiça, também para Gary Farmer, personificação perfeita dos índios americanos. A película pode ser um enfado para o mais comum dos espectadores e na verdade, quando dei por mim absorvido pelo seu andamento, apercebi-me que nada de surpreendente poderia acontecer, todavia não conseguia parar de ver. Cenas muitas vezes paradas, sem foco de entusiasmo, mas que prendem como num transe hipnótico poderoso. Parece a vida inevitável a desfilar diante de nós, impotentes para a fazer parar ou alterar, apenas convictos da nossa integridade moral e da certeza da justiça final. A condição humana ao melhor estilo.